quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Hamlet e as possibilidades de criação

Essa cena foi a escolhida para desenvolvermos uma pesquisa sobre a morte, com bases na mitologia grega, principalmente no mito do barqueiro Caronte e ao final da investigação apresentaremos um pequeno experimento cênico.





HAMLET, ATO V, Cena I

Um cemitério.
Entram dois coveiros, com alviões e pás.
PRIMEIRO COVEIRO: Poderá ser-lhe dada sepultura cristã, se foi ela quem procurou a salvação?
SEGUNDO COVEIRO: Digo-te que sim: por isso, trata de abrir logo a sepultura; o magistrado já fez
investigações, tendo concluído pelo sepultamento em chão sagrado.
PRIMEIRO COVEIRO: Como assim, se ela não se afogou em defesa própria?
SEGUNDO COVEIRO: Foi o que decidiram.
PRIMEIRO COVEIRO: Então foi se ofendendo; não pode ter sido de outro modo, que o ponto principal
é o seguinte: se eu me afogar voluntariamente, pratico um ato; um ato é composto de três partes: agir,
fazer e realizar. Logo afogou-se porque quis.
SEGUNDO COVEIRO: Mas ouvi, compadre coveiro...
PRIMEIRO COVEIRO: Com licença. Aqui está a água; bem. Aqui está o homem; bem. Se o homem vai
para a água e se afoga, é ele, quer o queira quer não, que vai até lá. Toma nota. Mas se a água vem para
ele e o afoga, não é ele que se afoga. Logo, quem não é culpado de sua própria morte, não encurta a vida.
SEGUNDO COVEIRO: E isso é lei?
PRIMEIRO COVEIRO: É, de acordo com as conclusões do magistrado.
SEGUNDO COVEIRO: Quereis que vos seja franco? Se não se tratasse de uma senhorinha de
importância, não lhe dariam sepultura cristã.
PRIMEIRO COVEIRO: Tu o disseste; é pena que neste mundo os grandes tenham mais direito de se
enforcarem e afogarem do que os seus irmãos em Cristo. Dá-me a pá. Não há nobreza mais antiga do que
a dos jardineiros, dos abridores de fossas e dos coveiros; todos exercem a profissão de Adão.
SEGUNDO COVEIRO: Adão era nobre?
PRIMEIRO COVEIRO: Foi quem primeiro usou armas.
SEGUNDO COVEIRO: Como, se não as possuía?
PRIMEIRO COVEIRO: Quê! És pagão? Como é que interpretas a Escritura? A Escritura diz que Adão
cavou. Como poderia ele cavar, se não possuisse armas? Vou fazer-te outra pergunta; se não responderes
certo, terás de confessar que és...
SEGUNDO COVEIRO: Pois que venha a pergunta.
PRIMEIRO COVEIRO: Quem é que constrói mais solidamente do que o pedreiro, o carpinteiro e o
construtor de navios?
SEGUNDO COVEIRO: O que levanta cadafalsos, porque suas construções sobrevivem a milhares de
inquilinos.
PRIMEIRO COVEIRO: Realmente, aprecio a tua vivacidade. O cadafalso faz bem. Mas, para quem faz
ele bem? Para os que fazem mal. Por isso, fizeste mal em dizer que o cadafalso é mais sólido do que a
Igreja. Logo o cadafalso te faria bem. Vamos, responde logo.
SEGUNDO COVEIRO: Quem é que constrói mais solidamente do que o pedreiro, o carpinteiro e o
construtor de navios?
PRIMEIRO COVEIRO: Justamente. Responde isso e sai da canga.
SEGUNDO COVEIRO: Desta vez vou acertar.
PRIMEIRO COVEIRO: Veremos.
SEGUNDO COVEIRO: Com a breca! Não o consigo.
(Hamlet e Horácio aparecem no fundo.)
PRIMEIRO COVEIRO: Não dês tratos à bola, que o teu asno preguiçoso não andará mais depressa com
as chibatadas. Quando te fizerem de novo essa pergunta, responde que é o coveiro, porque a casa que êle
constrói dura até o dia do Juízo. Corre à hospedaria e traze-me uma caneca de aguardente.
(Sai o segundo coveiro.)
PRIMEIRO COVEIRO (canta, continuando a cavar):
Quando rapaz amei, amei bastante
Quão doce me sabia
tudo aquilo! Que tempo! Um só instante
mais que tudo valia.

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